Carlota Carreira - A Musicalidade e Interpretação da Dança

20-04-2020
Fotografia por @marianamottaveiga
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Carlota de Bastos Carreira é bailarina, tem 25 anos e é de Lisboa. Tem formação clássica e contemporânea pela Escola de Dança do Conservatório Nacional. A sua entrega em projetos como o Achas que Sabes Dançar, o Grease e o Chicago, permite à jovem desempenhar os três papéis da sua vida, a dança, a representação e o canto. Este último é aquele pelo qual tem mais gosto. No decorrer da entrevista foi possível sentir através das suas palavras a conexão e o amor que sente por tudo aquilo que faz. O infomedia dá a conhecê-la através, daquele que é o seu mundo, a Arte.

Fotografia por @arlindocamachophoto
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A dança surgiu na sua vida por intermédio da sua mãe. Com apenas três anos, entrou para o ballet, seguindo o módulo da Royal Academy, no ginásio Clube Português. "Era ballet para crianças, mas ao seguir o módulo da Royal, já havia ali um padrão de fazer aquilo à séria", conta. Aos cinco anos, em simultâneo com o ballet, entra para a ginástica rítmica, onde permanece até aos nove anos de idade.

A formação profissional de Carlota foi obtida na Escola de Dança do Conservatório Nacional. O curso teve a duração de oito anos. "É feito em conjunto com o Ensino Profissional. Temos o ensino normal até ao 9ºano, mas a partir do 10º, ficámos com as disciplinas artísticas e apenas com as obrigatórias", diz. O ensino do Conservatório atribui o diploma de bailarino profissional e a formação é clássica e contemporânea.

Quando saiu do Conservatório estava pronta para ser uma bailarina clássica de uma companhia clássica contemporânea, que é o objetivo de quem termina o curso, mas não acabou por acontecer. "Essa não é a realidade do nosso país. Não é uma realidade que cem por cento dos alunos que acabam o curso, que são poucos, entrem para uma companhia. Tudo isto, faz com que as pessoas possam abrir horizontes, e foi o que aconteceu comigo", assegura.

Direitos Reservados
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"Gosto de estar sempre a ser levada ao limite!"

Após o curso, Carlota começou a expandir o seu vocabulário enquanto bailarina. "A dança não é só ballet, não é só comercial, e mesmo dentro do comercial, não é só esse estilo. Existe todo um vocabulário muito vasto", afirma. Embora a maioria do trabalho que faz ser comercial, não gosta de pôr rótulos pois sente que a limita enquanto bailarina. "Tento ser uma bailarina versátil", afirma.

Em 2009, ruma aos Estados Unidos para fazer um curso de verão no Atlanta Ballet, em Atlanta. "O professor José Luís Vieira, diretor do Conservatório, comentou que eu iria gostar do curso, que tinha tudo a haver comigo. Acabei por ir com ele". Lá, confessa que foi a primeira vez que teve contacto com um mundo diferente, mas ao mesmo tempo igual.

No Atlanta Ballet, a bailarina destaca Cody Williams, seu professor de Broadway adaptada ao Clássico. Ficou para a sua vida como uma referência. Não o é apenas por ter gostado tanto de fazer aquela disciplina com ele, mas por ter sido a sua introdução aos musicais, ao movimento, ao Clássico adaptado. "Fiquei com o contacto dele e já me cruzei com ele após o curso, em Nova Iorque. Aliás, se não fosse a situação do Covid-19, iria voltar a cruzar-me este verão. Ia fazer um curso de Broadway, nos Estados Unidos. Foi o Cody que escreveu as cartas de recomendação. É, de facto, uma referência. Ele canta, dança, representa e é ótimo bailarino", afirma.

A nível comercial e nacional, a jovem evidencia Andreia Antunes como referência. Salienta o seu profissionalismo, a sua disciplina, o seu nível técnico e a sua capacidade artística. "Gosto muito de trabalhar com ela. Está sempre pronta a querer aprender coisas novas e a querer evoluir, no sentido em que podemos fazer mais do que uma coisa. Podemos querer fazê-lo melhor!", diz.


"Foi mesmo muito importante para virar a página do que viria a ser, ou está a ser, a minha carreira".


Em 2015, fez parte do programa Achas que Sabes Dançar (AQSD), na SIC. Considera ter sido a melhor coisa que lhe aconteceu, uma grande aprendizagem. "Todas as semanas dançávamos estilos diferentes como o hip-hop, o comercial, as danças de salão, entre outros. Estilos que nunca tinha experimentado antes", confessa. O ritmo e o rigor do programa exigia, gala após gala, um nível de profissionalismo, uma intensidade que correspondia a meses de trabalho que se costuma fazer para um produto final.

"Trabalhei com coreógrafos estrangeiros e nacionais fantásticos. Nós, concorrentes, queríamos ficar para puder trabalhar mais uma semana. Eu falo por mim. Gosto de estar sempre a ser levada ao limite! Se não fosse o AQSD, eu nunca teria entrado no meio comercial da dança, em Portugal", afirma. O meio comercial é apontado por Carlota como "um nicho, pois são muito poucas as pessoas que trabalham. Infelizmente, é tudo muito baseado no "eu conheço, eu sou amiga, eu isto", portanto, é um meio difícil de entrar. É tudo por contacto direto. Conhecer os coreógrafos, conhecer as pessoas, as pessoas verem-me, foi o fator principal para, hoje em dia, estar nele".

O programa abriu-lhe muitas portas e permitiu-lhe descobrir que gosta de fazer muito mais do que Ballet e Contemporâneo. "Estou muito agradecida por ter participado e por ter conseguido chegar à final. Foi mesmo muito importante para virar a página do que viria a ser, ou está a ser, a minha carreira", diz.

Direitos Reservados
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A 24 de junho de 2018, com um cartaz composto por Agir, Anitta, Demi Lovato e Bruno Mars, a jovem teve "a experiência, em palco, mais arrebatadora" da sua vida no Rock in Rio Lisboa. Perante um público de cem mil pessoas, Carlota subiu ao Palco Mundo com o cantor Agir. "É, de facto, uma marca, o que não significa que não haja coisas tão ou mais incríveis com muito menos público. Existem! Mas a nível de dança ao vivo, de ter a banda ao vivo, é completamente diferente de dançar com música gravada", explica.

O convite surgiu por intermédio de Andreia Antunes. Carlota aceitou-o, mesmo sem saber, ao início, qual seria o evento. "Eu não consigo pôr em palavras o que é, mas sei que tanto eu como os nove bailarinos que estavam lá comigo, nos arrepiámos imediatamente só de voltar a relembrar. Na entrada do concerto, a sensação de saber que está um mar de gente à nossa frente é incrível, e para um português é uma experiência única porque não é a nossa realidade diária", afirma.

Para a jovem bailarina, é muito mais do que dançar porque está a ser paga. É o culminar do espírito, da boa disposição e do rigor, o que faz com que não seja impeditivo de trabalhar e de estar sujeito a correções por parte de alguém desconhecido.

Direitos Reservados
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Confessa que o momento ficará como o mais incrível que já viveu. "Foi o culminar de duas semanas de muito trabalho, na qual evoluímos imenso. Apresentamos um trabalho digno de qualquer artista estrangeiro e isso é incrível!".

"(...) e para um português é uma experiência única porque não é a nossa realidade diária"

Carlota conjuga o melhor do seu mundo. A dança, a música e a representação. A sua primeira experiência no Teatro Musical, em Portugal, foi em 2016, no espetáculo República das Bananas de Filipe La Féria. Em 2019, fez o Grease, no Casino Estoril, com a Yellow Star Company. De seguida, participou no Uma Nêspera no Cu- o Musical, com a Força de Produção, produtora do Chicago.

O projeto Chicago, ao qual pertence, "foi uma coisa muito à estrangeira, o que não é normal em Portugal". Houve uma enorme adesão às candidaturas. O Chicago é para muitos profissionais um musical de sonho. "É um projeto ambicioso, mesmo para um país como o nosso que ainda não sabe o que é o teatro musical. A verdade é que ainda não é uma indústria. Está a começar agora a haver mais do que uma produtora a apostar neste espetáculo", afirma.

Chicago. Direitos Reservados
Chicago. Direitos Reservados

Num total de quatrocentas candidaturas, e após três etapas, Carlota fez parte dos seis selecionados. "Quando soube que fiquei no Chicago foi uma alegria enorme. Eu lembro-me que chorei porque era um sonho. Por ser feito, pela primeira vez, em Portugal, por ser no Teatro Trindade, por ser com o Diogo Infante e por ser com a Força de Produção, uma produtora incrível". É um musical feito à base da coreografia de Bob Fosse, que por si só, é uma técnica dificílima de dominar para um bailarino. "Existe um rigor técnico para se apresentar um trabalho fantástico como o que está o nosso Chicago", afirma.

Carlota estava a passar uma das fases mais felizes da sua vida neste projeto. Ter a oportunidade de dançar, de cantar e de representar todos os dias. De ter a oportunidade de relacionar-se com um elenco cheio de talento e de partilhar admiração, é para si o sentido do trabalho.

Fotografia por @jasmeneses
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"Só espero que esta situação passe para podermos voltar a fazer aquilo que mais gostamos. Mostrar e continuar a dar garantia de um espetáculo completo a todos os níveis aos portugueses. Nós tivemos sucesso porque as salas estavam cheias. Houve, realmente, pessoas a repetir", conta.

Gene Kelly é a sua inspiração na dança. Caracteriza-o como intemporal, tecnicamente superdotado e com uma ginga natural, o que considera ser um fator importante em qualquer artista. "Um bailarino não o é, se não tiver qualquer coisa a bater aqui dentro que faça com que alguém olhe para ele no meio da multidão. O Gene Kelly quando dançava, irradiava luz. Ele era especial. Era um talento e, até os dias de hoje, não há ninguém como ele. Super versátil!", afirma.


"a experiência, em palco, mais arrebatadora"


Hoje em dia, uma das referências da jovem, é Marcelino Sambé, seu colega no Conservatório e com quem cresceu desde os nove anos de idade. Atualmente, é bailarino da Royal, em Londres. "Ele lutou num mundo que já é competitivo. Conseguiu chegar muito longe com trabalho, com dedicação, com talento, mas também com sorte. Eu sou da opinião que ninguém chega a lado nenhum sem sorte!", diz.

Fotografia por @alexandrecabrita
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O tema Covid-19 é sensível para a jovem, porque é da opinião que a forma física não se consegue manter em casa. Carlota defende que "a forma física não vem só do nosso esforço físico. Vem da nossa felicidade psicológica, do nosso bem-estar diário, do que nos rodeia, do que nos motiva e do nosso trabalho. Consigo manter o corpo ativo e a cabeça ocupada, mas não dá para manter a forma física como tinha a dançar profissionalmente".

A motivação e a ativação cerebral, em casa, é reduzida, mas a bailarina continua a fazer, diariamente, a sua aula de ballet e barra, e continua, alternadamente, a fazer treino intensivo de abdominais e cardio. "Para mim, a maior arma que podemos usar e o que estou a fazer, cada vez mais, é o jejum intermitente. É um assunto sensível, mas tem benefícios na nossa saúde física e psicológica. O corpo ganha capacidades físicas incríveis", afirma a jovem.

Para Carlota, o mundo da cultura e da dança tem que se adaptar a esta realidade. "Nós não nos podemos dar ao luxo de estar em casa à espera que isto passe. A nossa profissão é física. Nem toda a gente tem a possibilidade de o fazer em casa. O corpo tem que ser, constantemente, trabalhado e protegido".

Fotografia por @marianamottaveiga
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"Um bailarino não o é, se não tiver qualquer coisa a bater aqui dentro que faça com que alguém olhe para ele no meio da multidão".


Carlota assume o futuro como incerto, sobretudo agora, mas tem a certeza de que o mesmo passará pelo mundo da dança. "Por mais que a pessoa estude, aprenda, se esforce, muitas vezes, não vai conseguir atingir os seus objetivos ou vai alcançar outros por consequência".

O seu objetivo passa por ir para a Broadway e conseguir trabalhar como bailarina em Teatro Musical. "É, de facto, onde se faz desta arte uma indústria. É onde há oportunidades de trabalho e onde estão as pessoas com quem eu quero trabalhar", assegura Carlota.

Fotografia por @marianamottaveiga
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"Há coisas que o dinheiro não compra. A felicidade e o prazer que é fazer aquilo para o qual nascemos é uma coisa rara. Sei que há poucas pessoas a fazer aquilo que amam e que são boas a fazê-lo. Isso é uma sorte!".


A jovem bailarina define a dança como tudo. Não imagina a sua vida sem dança, embora tenha consciência de que existe essa possibilidade, pois trabalha com o corpo e basta acontecer alguma coisa para o tornar impossível de fazer. "Nós não podemos pensar que vamos ter isto garantido para sempre. Dou graças ao corpo que tenho. Tento mimar-me ao máximo e dar ao meu corpo aquilo que ele precisa, o que, às vezes, acaba por ser nada. Também é importante descansar", brinca.

Fotografia por @marianamottaveiga
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"Dança é vida! É a minha vida! É para isto que eu trabalho! É com o que eu sonho! É aquilo que me faz evoluir! Sobretudo quando estou triste preciso de dançar! É uma maneira de fazer terapia! A dançar sou muito feliz! Já tive os momentos mais felizes da minha vida a dançar! Esta, é a melhor maneira de a definir!"



Texto publicado por Viviana Fangueiro

Créditos:

https://www.facebook.com/carlotaa.carreira

https://www.instagram.com/carlotabastoscarreira/

Fotografias por:

https://www.instagram.com/marianamottaveiga/

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